Lope, que estreia nos cinemas dia 26 de novembro e está sendo exibido na
Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, fala sobre o início da carreira de Lope de Vega, o escritor mais prolífico da Espanha – quiçá do mundo –, segundo notas do filme, com cerca de 800 obras e 4.000 poemas. Pudera: ele viveu até os 73 anos, o que, para o século XVI, significaria viver até 150 anos hoje (com algum exagero da minha parte). Nessa longa vida, fez 14 filhos e teve diversas amantes. Duas delas aparecem no filme: Elena (Pilar López de Ayala), filha do mecenas Jerónimo Velázquez (Juan Diego), lasciva, agressiva, meio tresloucada e não muito confiável. E Isabel (Leonor Watling), filha de um nobre. Doce e pura, faz trabalho voluntário em um hospital onde fica o teatro patrocinado por Velázquez. Os três, Lope (protagonizado pelo desconhecido Alberto Ammann), Isabel e Elena, vivem um triângulo amoroso arrastado e que deixa cicatrizes das mais profundas.
O filme é extremamente bem produzido, as locações são genuínas – parte na Espanha, parte no Marrocos –, algumas reconstruídas ou reformadas, as roupas, a maquiagem e até as espadas que todos carregam no cinto são bem feitas… Parece que tudo ali está no lugar, como era há 400 anos. É engraçado que as brigas são à base de soco e de luta com espada. Hoje, o filme teria um monte de tiros.
Lope é dirigido por Andrucha Waddington e tem participação de Selton Mello
A vida de Lope de Vega parece um furacão. E o filme intensificou isso. Ao menos é o que diz o diretor, o brasileiro Andrucha Waddington, de
Eu, tu, eles e
Casa de areia. Andrucha (e os roteiristas) tirou espisódios de cinco anos da vida do artista e transformou como se tudo tivesse passado em um ano. Lope é irreverente, audacioso, quer prestígio e tem talento. Mas desde o começo ele apronta, mente, esconde, se impõe, trai, e tudo isso com pessoas poderosas. “Ele não vai parar de fazer bobagem?”, pensei, no meio do filme. Mas parece que o moço foi assim mesmo, só que com algum espaço de tempo entre uma “pisada de bola” e outra. (Entre parênteses porque, por tudo isso, conseguiu reconhecimento)
Lope e Elena
Por conta dessa “intensificação” dos fatos, não é indicado acreditar em tudo o que o filme mostra. E isso pode ser um problema se o espectador quiser conhecer a vida e obra do autor somente assistindo
Lope. Há histórias que se cruzam no filme, mas que nunca se cruzaram na vida real. Episódios da vida de Lope que jamais aconteceram… tudo licença poética, para dramatizar e amalgamar a trama. O julgamento final a que ele é submetido, por exemplo, parece ser obra de várias intempéries do destino em que ele se envolve – com o pai de Isabel, com o pai de Elena, com o marquês de Navas (interpretado por Selton Mello), com o tal Perrenot, só pessoas com poder suficiente para acabar com sua vida. O julgamento realmente existiu, mas não foi causado por essas brigas, ou, pelo menos, não por todas juntas. Outro problema são as cenas de amor, ou sexo, loooongas, ainda que sensíveis. Incomodou também a sequência em que ele se surpreende com a magia do teatro: extremamente vertiginosa, com direito a embrulho no estômago. Fechei os olhos para poder continuar assistindo.
No fim, o que fica, além dos belos poemas introduzidos no enredo de forma natural e inteligente, é a ideia de que você é o que os outros enxergam, e não o contrário. Isso é repitido duas vezes. Basear-se nas biografias do escritor, portanto, mostra como os outros o viam, e jamais como ele era na vida real. Não teria como ser de outro jeito, dada a distância entre o tempo dele e o nosso. Mas uma boa tentativa.
Lope passará novamente na Mostra no dia 30 de outubro, às 16h30, na Sala BNDES da Cinemateca (Largo Senador Raul Cardoso, 207, Vila Clementino). Repare na Sonia Braga do começo, como mãe de Lope.
LAURA LOPES ---REVISTA ÉPOCA----BLOG MENTE ABERTA