SONHOS E ENCANTOS

SONHOS E ENCANTOS

quarta-feira, dezembro 18, 2019




Memórias de uma Senhorinha


      
     Amanhece cedo em Águas Vermelhas...e uma Senhorinha estremunhada, tonta de sono e cansada , da viagem, da faxina e das emoções, surge na cozinha onde todos já terminaram o café e se preparam para o trabalho.Como não poderia ser de outra forma, procede a uma limpeza geral do ambiente...não consegue tomar o café da manhã sobre uma mesa repleta de farelos. Após isto, arruma a mesa com todo esmero, pratinhos, pires e xícaras alinhados, pães , queijos e manteiga...e , para completar, uma jarra com flores fresquinhas que a fazendeira lhe dera.Estou me demorando nestes detalhes, talvez enfadonhos, para esclarecer como funcionava a cabeça da nossa senhorinha. Perfeccionista, preocupava-se com os detalhes, os mínimos detalhes.
Ao terminar o café, a estrada a chamou...o sol resplandecente, dourava o capim gordura, espalhava brilho em toda a estrada e coloria os seus olhos e o seu coração. Nenhum resquício do sofrimento teria lugar em seus pensamentos...caminhou até a estrada e seguiu em direção ao rio. Uma estranha fascinação a dominava e recordava a infância, sempre às margens de um rio e a história que a menina dos cachos ouvia dos tios e a perturbava e apavorava. Diziam-lhe que ela era filha da enchente e não dos pais, pois na noite do seu nascimento as águas do rio invadiram a sua casa e a mãe teve que ser carregada até uma canoa que a conduziu até a casa de sua comadre , onde deu à luz a menina de negros cabelos que mais tarde se transformariam em cachos. E era esta impressão, adquirida na mais tenra idade, que a " brindava" com um medo quase que irracional de rios e de águas de piscina ou do mar.
Certa vez, foi levada pelos pais a uma competição de natação em um clube da cidade, onde os nadadores saltariam de um trampolim... péssima ideia! Nossa "menina dos cachos" se apavorou tanto que gritava a plenos pulmões a cada atleta que saltava: 
" Não pula, moço, você vai morrer!!!"
Tiveram que deixar o local, aborrecidos e envergonhados , sem entender o porquê daquela reação. 
Hoje, analisando friamente a reação daquela menina de cinco anos de idade, creio que posso atribuí-la a um trauma que foi criado quando os tios, inocentemente, brincavam com ela sobre o seu nascimento. 

Mas deixemos de lado as considerações psicológicas e voltemos à caminhada da nossa Senhorinha.
Caminhar, para ela sempre foi muito importante...assim como a leitura, alimentava o seu espírito. E assim, com o espírito alimentado, atingiu a margem do rio,  à beira de uma árvore se sentou e deixou o pensamento livre e o corpo relaxado, admirando a beleza daquela inebriante paisagem...uma balsa chamou a sua atenção e prometeu a si mesma que um dia atravessaria o rio utilizando este meio de transporte.
Balsa do Rio Grande Fonte: Google imagens

E de repente, como em um transe, se vê admirando o encontro da Baronesa e de seu capitão que , de um outro meio de transporte, desce elegantemente as escadas, já vislumbrando a amada a esperar por ele com um sorriso nos lábios...doce encantamento invadiu a sua mente e ficou como que anestesiado na contemplação daquela com quem partilharia os seus momentos de vida doravante.
E , em questão de segundos, desce os degraus e a toma em seus braços. Um encontro de almas , selado no infinito e que , finalmente se concretizaria. Ternamente abraçados seguem, em direção à carruagem, em direção à vida...

 Fonte: FRATERLUZ 
Vamos permitir que tenham privacidade. Portanto, farei uma pausa e na próxima semana voltarei. Com certeza!!!



sexta-feira, dezembro 13, 2019

Memórias de uma senhorinha






















 



E ,após uma viagem cansativa e agraciada pela fina poeira vermelha, cuja marca seria quase que"indelével" em seu belo traje de fino linho marfim, uma Senhorinha exausta , amarfanhada e empoeirada, desce( Ou seria melhor dizer"apeia"?) daquele ônibus no qual fora a única passageira.
Seus olhos espantados contemplam a cidadezinha, cujo aspecto a conduzia aos filmes de faroeste...uma rua de terra vermelha (lógico), e , de cada lado cavalos amarrados a estacas de madeira, em frente aos bares onde os donos bebiam a sua "pinguinha".
Com sua bagagem nada prática e muito pesada, dirigiu-se a um dos cavaleiros para se informar da existência de um táxi que a conduzisse até o Posto Fiscal. Uma sonora risada dele e dos demais a surpreendeu.Não entendeu o porquê da risada e perguntou como faria para chegar ao Posto. Ao que os "simpáticos " senhores lhe responderam apontando uma estradinha como sendo a sua via de acesso ao local... o que fazer? Pegou , valentemente , a sua mala e seguiu. Andou uns poucos metros e viu surgir a Drinha, também vermelha da poeira e com um imenso sorriso nos lábios e nos braços abertos para recebê-la.

Até o Posto Fiscal foram uns vinte minutos de caminhada, com a recompensa no final: a belíssima visão do Rio Grande e o azul profundo de suas águas. O sol já estava se pondo e o dourado se misturava ao azul do rio, no mais lindo poente que seus olhos haviam contemplado. E de alegria se encheu o seu coração, agradecendo ao Criador este presente que vinha acarinhar e reconfortar o seu espírito. 



By Mustafá

E a casa onde funcionava o posto foi também uma surpresa agradável...com uma varanda à frente , possuía o encanto das casinhas de interior. Bastante arejada , com amplas janelas abertas para a visão privilegiada do rio e da estrada, nem tão privilegiada...de terra vermelha e trazendo para dentro da casa toda aquela " vermelhidão"que grudava na pele , nas roupas e em todos os utensílios domésticos. E foi para os utensílios e móveis o seu primeiro olhar...o trabalho extenuante da fiscalização não deixava brechas para grandes faxinas e , tanto a Drinha quanto os outros fiscais, não tinham tempo para estes "luxos"... a vassoura estava nova!!! 
Ficar parada era impossível para a senhorinha...muniu-se de vassoura, balde e produtos de limpeza, após trocar os trajes de viagem e envergar o seu "uniforme de batalha", uma bermuda jeans , camiseta e sandálias. E , mãos á obra que o tempo urge...varreu, esfregou, poliu e , como num passe de mágica, uma casa acolhedora se apresentou. O mobiliário era simples, a cozinha tinha o mínimo necessário para se preparar as refeições e imaginava que seria uma dieta frugal, a possível de se preparar. Não possuía também grandes dotes culinários e faria  apenas o trivial. Uma espiada na geladeira e a surpresa:  uma grande quantidade de verduras e legumes fresquinhos, provenientes da horta da fazenda situada em frente ao Posto, bastando apenas atravessar a estrada para se deslumbrar com a beleza do cultivo de cenouras, tomates, abóbora, vagem, quiabo e berinjelas.
Também encontrou na gaveta de carnes , umas peças de contrafilé fresquinho e pronto para ser transformado em belos bifes. Apesar da pequena quantidade de panelas, daria para preparar uma deliciosa refeição.  Resolvida a parte prática de sua estadia, restava-lhe a mais importante: a leitura , imprescindível, dos jornais, hábito que cultivava e do qual não abriria mão. Foi para a varanda onde aguardaria o ônibus para encomendar os jornais diários. Não demorou muito e o velho veículo surgiu... pediu ao motorista que lhe trouxesse , todos os dias, os jornais de Minas e de São Paulo, estado limítrofe, só tendo o rio a separá-los.
No dia seguinte postou-se novamente em frente á casa , já ansiosa pelas notícias... desce do ônibus um empoeirado motorista e lhe entrega os esperados jornais. Dois quilos de jornais antigos!!! Ao lhe dizer que queria jornais do dia, ele retrucou que para quem gostava de ler e não havia lido ainda, as notícias eram sempre novas. Uma ignorância carregada de boa vontade, não podia recriminá-lo...
Imersa em seus pensamentos , seus olhos vagueiam pela sala e , de repente, param em um ponto...uma caixa lhe desperta a curiosidade. Aproxima-se e vê que se trata de uma eletrola portátil  semelhante a que tem em casa.  

E um disco, em particular, atrai a sua atenção: Nana Caymmi, uma de suas cantoras prediletas , e a música , Resposta ao Vento, trazia para ela a lembrança da Baronesa. 


E podia vê-la, em uma Estação Ferroviária, finamente trajada, à espera de seu garboso capitão, prestes a chegar. Uma carruagem a conduzira àquela obra prima , bem descrita por Câmara Cascudo em suas Farpas:








"O viajante é agradavelmente surpreendido, logo ao chegar,pelo aspecto da gare, uma das mais belas do País. Esta construção, dirigida por um jovem engenheiro do Porto, reúne a uma perfeita elegância de linhas gerais e a uma harmonia de proporções a mais esmerada mão-de-obra, o mais fino acabamento de todos os detalhes. O granito empregado é o mais belo que se pode ver, e o modo como ele se acha trabalhado desafia toda a comparação. Uma única impressão amarga paira sobre o espírito dos viajantes ao encontrarem-se dentro deste vasto edifício. Acomete-os naturalmente o desgosto de serem tão poucos para tanta casa. E à noite, no silêncio que se sucede à partida do trem em que viemos, há uma tristeza saudosa em ouvir neste palácio de grande cidade o bucólico respiro nocturno do campo e das aldeias: o cantar dos grilos roupeiros entre os milhos e o ladrar longínquo dos cães de quinta, como nos simples apeadeiros dos pequenos círculos rurais ao longo da via férrea minhota." 
E, com esta visão da Baronesa, vou deixá-los. Já me alonguei em demasia.

Eu vou, mas voltarei!!!

Leninha Brandão





sexta-feira, dezembro 06, 2019

Memórias de uma senhorinha



"Vale tudo menos chorar tempo demais. Pois sempre há coisas boas para pensar. Algumas se realizam. Criança sabe disso."
Lya Luft





...porém ela não era mais criança, e,  apesar de estar sempre tentando preservar a " menina dos cachos" das amarguras e amargores da vida, eles teimavam em surgir,  quando menos esperava... a lágrima escondida brotava dentro de seu coração e vinha lhe oprimir o peito de uma forma tal que sentia uma dor quase física,  perto de  explodir. Não queria e nem podia falar com ninguém desta dor...tentava pensar em coisas boas. ...às vezes,  isto é quase impossível. Vinha então, à sua memória, os dias passados em Carangola, da menina de tranças que aprendera a guardar os momentos bons em seu coração e lustrá-los todas as noites (provisão de felicidade), para que estivessem sempre prontos, quando os dias não fossem tão amenos. Olhos fechados passeou por toda a magia que estava reservada há tanto tempo e sentiu uma imensa paz no coração.






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     ..... e vamos encontrar a nossa senhorinha à espera de um novo ônibus para mais uma viagem e mais tempo para pensar e sonhar...desta vez o seu destino seria uma vilazinha escondida e com um nome totalmente em desacordo com a cor do belo Rio Grande...Águas Vermelhas era o nome do lugar, estando
a cor vermelha, na terra que cobria a estrada, e na poeira que penetrava em sua pele e em todos os seus poros. A sua mente voava, tal qual uma pipa conduzida pelas mãos de um garoto , de um lado para o outro ao sabor do vento e das ondulações das nuvens. E a sua alma nômade passeava, ora pela paisagem descortinada da janela do ônibus, ora pelas organzas , cetins e cambraias da existência da Baronesa. Lapidava o seu jeito de olhar e acrescentava mais poesia e mais doçura à personalidade de sua heroína.


E vai ao encontro da Baronesa, agora para encontrá-la feliz e realizada ás vésperas da chegada do amado, com os "olhos cansados de olhar para o além" e o peito dolorido de ansiedade. Guilherme Augusto era o nome que seu coração repetia, na esperança de ser ouvido do outro lado do oceano. Uma avalanche de sentimentos a invadia e passava, da extrema euforia para uma aflição desmedida.
Já havia cuidado de todos os detalhes para o jantar, encomendado os livros mais em voga, com as receitas do Império, e encarregaria suas habilidosas cozinheiras do preparo das mesmas.Um renomado artista foi chamado para elaborar o belo MENU, redigido em francês, como se usava na Corte.Vários modelos trazidos do Brasil foram utilizados para aguçar a inspiração do artista. 





As melhores toalhas, de fino linho bordado , foram engomadas e toda a prataria lustrada. Uma azáfama reinava na casa, serviçais andavam de um para outro lado, nada poderia faltar nem sobrar...tudo deveria ser perfeito.
O salão de festas resplandecia, os jardins ostentavam suas mais belas flores e as escadarias mostravam toda a beleza da sua arquitetura.
A baronesa Alice a tudo supervisionava, encantando a todos com a sua meiga autoridade. Já em avançado estado de gravidez, demonstrava um entusiasmo contagiante e uma agilidade que impressionava a todos.

  Porém, agora, deixarei vocês imaginando e passeando pelos engalanados salões da baronesa ....
já me alonguei em demasia. 
Eu vou, mas voltarei.Com certeza.

Minha querida e linda sobrinha Marcela, A vida é uma eterna ciranda a nos conduzir prá lá e pracá... e em uma destas voltas viemos para Tere...

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