Seus olhos espantados contemplam a cidadezinha, cujo aspecto a conduzia aos filmes de faroeste...uma rua de terra vermelha (lógico), e , de cada lado cavalos amarrados a estacas de madeira, em frente aos bares onde os donos bebiam a sua "pinguinha".
Com sua bagagem nada prática e muito pesada, dirigiu-se a um dos cavaleiros para se informar da existência de um táxi que a conduzisse até o Posto Fiscal. Uma sonora risada dele e dos demais a surpreendeu.Não entendeu o porquê da risada e perguntou como faria para chegar ao Posto. Ao que os "simpáticos " senhores lhe responderam apontando uma estradinha como sendo a sua via de acesso ao local... o que fazer? Pegou , valentemente , a sua mala e seguiu. Andou uns poucos metros e viu surgir a Drinha, também vermelha da poeira e com um imenso sorriso nos lábios e nos braços abertos para recebê-la.
Até o Posto Fiscal foram uns vinte minutos de caminhada, com a recompensa no final: a belíssima visão do Rio Grande e o azul profundo de suas águas. O sol já estava se pondo e o dourado se misturava ao azul do rio, no mais lindo poente que seus olhos haviam contemplado. E de alegria se encheu o seu coração, agradecendo ao Criador este presente que vinha acarinhar e reconfortar o seu espírito.
By Mustafá
E a casa onde funcionava o posto foi também uma surpresa agradável...com uma varanda à frente , possuía o encanto das casinhas de interior. Bastante arejada , com amplas janelas abertas para a visão privilegiada do rio e da estrada, nem tão privilegiada...de terra vermelha e trazendo para dentro da casa toda aquela " vermelhidão"que grudava na pele , nas roupas e em todos os utensílios domésticos. E foi para os utensílios e móveis o seu primeiro olhar...o trabalho extenuante da fiscalização não deixava brechas para grandes faxinas e , tanto a Drinha quanto os outros fiscais, não tinham tempo para estes "luxos"... a vassoura estava nova!!!
Ficar parada era impossível para a senhorinha...muniu-se de vassoura, balde e produtos de limpeza, após trocar os trajes de viagem e envergar o seu "uniforme de batalha", uma bermuda jeans , camiseta e sandálias. E , mãos á obra que o tempo urge...varreu, esfregou, poliu e , como num passe de mágica, uma casa acolhedora se apresentou. O mobiliário era simples, a cozinha tinha o mínimo necessário para se preparar as refeições e imaginava que seria uma dieta frugal, a possível de se preparar. Não possuía também grandes dotes culinários e faria apenas o trivial. Uma espiada na geladeira e a surpresa: uma grande quantidade de verduras e legumes fresquinhos, provenientes da horta da fazenda situada em frente ao Posto, bastando apenas atravessar a estrada para se deslumbrar com a beleza do cultivo de cenouras, tomates, abóbora, vagem, quiabo e berinjelas.
Também encontrou na gaveta de carnes , umas peças de contrafilé fresquinho e pronto para ser transformado em belos bifes. Apesar da pequena quantidade de panelas, daria para preparar uma deliciosa refeição. Resolvida a parte prática de sua estadia, restava-lhe a mais importante: a leitura , imprescindível, dos jornais, hábito que cultivava e do qual não abriria mão. Foi para a varanda onde aguardaria o ônibus para encomendar os jornais diários. Não demorou muito e o velho veículo surgiu... pediu ao motorista que lhe trouxesse , todos os dias, os jornais de Minas e de São Paulo, estado limítrofe, só tendo o rio a separá-los.
No dia seguinte postou-se novamente em frente á casa , já ansiosa pelas notícias... desce do ônibus um empoeirado motorista e lhe entrega os esperados jornais. Dois quilos de jornais antigos!!! Ao lhe dizer que queria jornais do dia, ele retrucou que para quem gostava de ler e não havia lido ainda, as notícias eram sempre novas. Uma ignorância carregada de boa vontade, não podia recriminá-lo...
Imersa em seus pensamentos , seus olhos vagueiam pela sala e , de repente, param em um ponto...uma caixa lhe desperta a curiosidade. Aproxima-se e vê que se trata de uma eletrola portátil semelhante a que tem em casa.
E um disco, em particular, atrai a sua atenção: Nana Caymmi, uma de suas cantoras prediletas , e a música , Resposta ao Vento, trazia para ela a lembrança da Baronesa.
E podia vê-la, em uma Estação Ferroviária, finamente trajada, à espera de seu garboso capitão, prestes a chegar. Uma carruagem a conduzira àquela obra prima , bem descrita por Câmara Cascudo em suas Farpas:
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"O viajante é agradavelmente surpreendido, logo ao chegar,pelo aspecto da gare, uma das mais belas do País. Esta construção, dirigida por um jovem engenheiro do Porto, reúne a uma perfeita elegância de linhas gerais e a uma harmonia de proporções a mais esmerada mão-de-obra, o mais fino acabamento de todos os detalhes. O granito empregado é o mais belo que se pode ver, e o modo como ele se acha trabalhado desafia toda a comparação. Uma única impressão amarga paira sobre o espírito dos viajantes ao encontrarem-se dentro deste vasto edifício. Acomete-os naturalmente o desgosto de serem tão poucos para tanta casa. E à noite, no silêncio que se sucede à partida do trem em que viemos, há uma tristeza saudosa em ouvir neste palácio de grande cidade o bucólico respiro nocturno do campo e das aldeias: o cantar dos grilos roupeiros entre os milhos e o ladrar longínquo dos cães de quinta, como nos simples apeadeiros dos pequenos círculos rurais ao longo da via férrea minhota."
E, com esta visão da Baronesa, vou deixá-los. Já me alonguei em demasia.
Leninha Brandão
4 comentários:
Olha, minha tão querida Leninha, se te alongaste, eu não sei. Só sei que na companhia da terra vermelha e na descrição fabulosa que fazes de todos os detalhes, viajei contigo e nem senti a poeira que te enfadava...
Além das roupas delicadas que relembro nas arcas longas de madeira correndo nos corredores da casa de uma minha avó ( a outra estava em Terras de Santa Cruz, como sabes) , levas -me os olhos para as roupas bordadas com lantejoulas e pedrinhas guardadas para dias de cerimónia e retratos das minhas tias- avós .
Mas obrigas me a voltar para junto de ti, e como sempre nada te amedronta. Ainda bem que encontraste a Drinha que “ conheço” de outras andanças .
Depois de te despojares dos afagos dos linhos, não perdes tempo . O teu bem estar exige de ti, como exiges da responsabilidade de que te encarregam.
Mas além desta lufa - lufa , não perdes a alegria, a energia, o brio, o encanto que te caracteriza. A prova é a forma como te exprimes e que sempre admirei: obrigas literalmente o leitor a viajar contigo e quando menos se espera , aparece a baronesa na verdade da história para a encaixares na outra história paralela e igualmente emocionante .
Mas já deste conta da tua capacidade criativa e narrativa? Já pois ❤️
Obrigada, Leninha, maravilhoso!
Como tu, eu volto!
Abração 🌹🌺🌷
Minha doce e meiga amigairmã,
Se viajas comigo eu me alegro e a poeira até deixa de incomodar...é muito bom sentir que aquilo que se sente ao escrever, é perfeitamente entendido e sentido da forma que imaginamos. Foi uma longa viagem, Manu! Um ônibus de Dores de Campos, a cidadezinha onde eu vivia, primeiramente até Barbacena( Onde a senhorinha viria a morar um dia), de lá até Belo Horizonte ( Quatro horas de viagem), de Belo Horizonte à Uberaba( sete horas) , de Uberaba à Iturama (mais sete horas) e de Iturama até Águas Vermelhas( mais quatro horas), sempre com uma espera nas Rodoviárias, demorada e cansativa.
Porém a nossa Senhorinha era jovem e cheia de energia, divertia-se com o vaivém das pessoa, analisando as expressões e tentando imaginar os pensamentos que as moviam e levavam à viajar, saindo do aconchego de seus lares, em busca dos seus sonhos? ou fugindo de uma vida monótona, sem perspectivas e sem objetivos? E seu pensamento a conduzia tal qual a pipa daquele menino, girando e rodando, em um redemoinho constante...
Tua opinião é muito importante, principalmente no que concerne aos hábitos e costumes em uma Portugal que apenas consigo imaginar. Gostei do que disseste sobre os baús de tua avó e sobre as pedrinha brilhantes que enfeitavam os trajes.
Obrigada por acenderes uma luz...
Um beijo carinhoso, minha querida!!!
Que riqueza de descrição, Leninha, a gente se coloca nessas caminhadas, sente o pó vermelho no ar, nos objetos, o entardecer com o encontro das cores do rio e do céu...lindo demais!!
Enquanto a senhorinha se integra ao novo ambiente a espera da baronesa está quase no fim.
Bom domingo, Leninha, abraço!
Dalva querida,
A sua sensibilidade de sempre faz com que viajes com a Senhorinha e isto me deixa lisonjeada e muito feliz. Quando escrevo me parece que estou revivendo o passado e o meu sentimento, tocando o coração das pessoas, me gratifica por demais.... obrigada, minha querida amiga!!!!!
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