Memórias de uma senhorinha/ Alçando novos vôos
E a aventura começou...o sogro a ensinou a comandar o cavalo na charrete, com a maior paciência e, após algumas aulas, a declarou apta a se aventurar até a cidade, naquele romântico meio de locomoção
Nos primeiros dias, teve um pouco de medo, mas logo conseguiu a habilidade necessária, só perturbada quando o seu querido cavalinho resolvia empacar e, por nada deste mundo, saía do lugar...o único jeito era pedir a algum cavaleiro que os puxasse até a cidadezinha.
Sua primeira turma não era aquilo com que ela sempre sonhara...os alunos, do quarto ano primário, eram grandes e estavam repetindo...alguns pela terceira vez.
Muito agitados e rebeldes, não faziam silêncio para ouvir as explicações, respondiam mal quando ela os admoestava, saiam dos lugares, era um caos total! A senhora diretora da escola, a famosa Dna Matilde, era uma verdadeira lenda na cidade...alta, muito brava, fazia nossa amiguinha tremer quando assomava à porta da sala e dizia, alto e bom som, para todos escutarem:"Podem fazer muita bagunça mesmo, a professora de vocês é um doce, deve gostar de vê-los gritando!"
E ela sentia vontade de sumir dali, evaporar, desmaterializar-se...era uma sensação de impotência tamanha que a dominava, entre os alunos rebeldes e a diretora furiosa, que ela pensava seriamente em não mais voltar...mas isto seria se dar por vencida e nunca mais ter a coragem de voltar a trabalhar...não, ela não faria isto, de maneira alguma.Voltou aos seus livros de psicologia e de pedagogia, estudou métodos diversos e viu que teria que adotar um sistema oposto ao da diretora...a melhor abordagem para aquele tipo de alunos seria o carinho mesclado com a autoridade. Com jeitinho e com firmeza conseguiu aos poucos ganhar a confiança daqueles que eram considerados os vilões, as ovelhas negras daquela escola.
Passou a fazer passeios com eles, levava-os até a fazenda, sentava-se no chão, ouvia as suas histórias de vida,subia os pastos cantando com eles (a Noviça Rebelde à todo vapor) e depois, já de volta para a escola, conseguia dar a sua aula tranquilamente.
Mas não pensem que foi da noite para o dia que isto aconteceu...demandou tempo, o tempo da conquista, o tempo do "cativar" costuma ser demorado,mas quando acontece é vibrante, é vitorioso, é gratificante.
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Hoje quando vou a Miradouro eu os vejo...já são pais de família, profissionais liberais alguns, outros empresários e outros mais, fazendeiros.Homens e mulheres que conquistaram o seu espaço e que me tornam feliz e orgulhosa por ter contribuído à minha maneira, para esta vitória de cada um deles.
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E nossa senhorinha continuava a se dedicar aos filhos durante o restante do dia...cuidava da alimentação pessoalmente, não delegava à ninguém esta obrigação...antes de ir para a cidade alimentava os filhos e os colocava na cama para dormir.As crianças de antigamente, acordavam muito cedo e sempre dormiam depois do almoço...por este motivo ela podia ir tranquila para o trabalho.
E um ano se passou...as férias chegaram...desde novembro ela já estava às voltas com as costureiras preparando as roupas para ela e para os meninos. Como era de praxe, desde que os pais se mudaram, as férias eram passadas no Rio. As férias de dezembro, porque em julho os pais vinham passar com eles, na fazenda.
E as férias significavam muito para ela e para os filhos...reunir a família, comemorar o seu aniversário(em dezembro), o Natal e o Ano Novo. As crianças adoravam a praia, o Aterro, o Parque Guinle, locais onde se podia ir à pé, já que os pais moravam no Catete.
O pai sempre encarregava um amigo de buscá-los, o Jomar, ou então ele mesmo ia, no seu lindo Bel Air , seu sonho de consumo realizado.
E era uma felicidade esta viagem! Os filhos e ela adoravam...mas esta alegria não era partilhada, nem pelo marido, nem pela sogra. Achavam um absurdo ir para o Rio de Janeiro, cidade perigosa e cheia de riscos. E era um Rio pacato o desta época, não havia violência e o pessoal do Morro Santo Amaro, amigo de todos os da vizinhança...a rua Bento Lisboa era vizinha do morro e o irmão ia soltar pipa e subir em árvores com as crianças de lá...não havia perigo, havia pessoas humildes e respeitadoras, tanto quanto as pessoas humildes de qualquer outro lugar.
Gente Humilde
Chico Buarque
Em que eu penso em minha gente
E sinto assim
Todo o meu peito se apertar
Porque parece
Que acontece de repente
Como um desejo de eu viver
Sem me notar
Igual a tudo
Quando eu passo no subúrbio
Eu muito bem
Vindo de trem de algum lugar
E aí me dá
Como uma inveja dessa gente
Que vai em frente
Sem nem ter com quem contar
São casas simples
Com cadeiras na calçada
E na fachada
Escrito em cima que é um lar
Pela varanda
Flores tristes e baldias
Como a alegria
Que não tem onde encostar
E aí me dá uma tristeza
No meu peito
Feito um despeito
De eu não ter como lutar
E eu que não creio
Peço a Deus por minha gente
É gente humilde
Que vontade de chorar
E esta mesma gente humilde vivia no Morro de Santo Amaro daquela época ... crianças como as suas, inocentes e puras...uma inocência que um dia seria maculada e violentada...onde foi parar a inocência perdida?
Quem começou a destruição destes valores? Hoje eu me faço estas perguntas...
Perguntas que não passavam pela cabeça de nossa senhorinha que não era vidente nem possuía uma bola de cristal....ela mesma, uma inocente e meiga senhorinha.
Estou indo, mas na semana que vem estarei de volta .
Bjsssssssssss
9 comentários:
Leninha,, que bom estar contigo e saborear o prazer de ver as cenas, contadas com o coração e visualizadas pelos meus olhos, perfeitamente! Amei, podes crer, principalmente o ambiente relatado em sala de aula. Bacana também a atitude tomada para que ela fizesse o oposto; conquistar o amor deles! Bravo! Grande abraço e tudo de bom!
Muito querida amiga Maria Luiza,
Obrigada pela presença tão importante para mim!
Também sinto um enorme prazer em ter você aqui sempre!
Aquele que acredita na liberdade, como a nossa Senhorinha, nunca será capaz de escravizar quem quer que seja, muito menos alunos indefesos!!!
Um beijo carinhoso, amiga. Boa noite!!!!!!
Leninha, imagino só as aulas e o cavalinho empacando... Quanto aos alunos, nada pior que turmas bagunceiras e desmotivadas, ainda mais repetentes. E que boas as férias no Rio, naqueles lindos lugares todos! passei contigo em imaginação, retornando lá! Adorei mais esse! Vamos esperando o próximo!
beijos, chica,linda semana!
Chica muito querida,
Ah, amiga,este cavalinho da Senhorinha fez artes e tretas...mas era muito amado mesmo assim. Muito lindo, branquinho com belas crinas que ela penteava com carinho.
E os alunos, deram muito trabalho também, porém deixaram saudades imensas.
E assim é a vida, não é verdade?
Obrigada por seu carinho, amiga! Um beijo carinhoso!
Oi Leninha você me fez lembrar o meu tempo em que muito jovem quiz aprender a anda de cavalo numa ciddezinha do interior do Rio de Janeiro. Intrressante que por não saber o cavalo, também empacava muito, até que um dia aprendi e consegui controlá-lo.
Gostei do que você escreveu.
Um abraço. Élys.
Grandes aventuras , Leninha!
Mas a grande , sem dúvida, foi saberes dar a volta aos teus alunos que com certeza precisavam mais de carinho e apoio do que uma escola “ sem alma” por mais ânimo que houvesse.
E não foi fácil atender ao mesmo tempo a jovens e tuas crianças para de seguida teres um espaço para ti .
Mas muitas vezes não são as dificuldades que nos assustam se estivermos preparados de ante mão . Até teremos o prazer de saber ultrapassar o inimaginável .
Sem dúvida que esta fase de tua vida é apaixonante , cheia de peripécias que são exemplo de determinação e ao mesmo tempo orgulho no nosso EU que nós leva a altitudes desmedidas
Um encanto, minha querida e doce Leninha .🌷🌷🌷
Oi amigo Elys,
Que prazer imenso ver novamente você aqui! Aos poucos os antigos amigos retornando...
Aprender a conduzir um cavalo para quem sempre viveu na cidade é realmente, uma tarefa,não impossível , porém muito difícil...imagina para uma quase menina, urbana e sem experiência da vida rural.Mas, como sempre acontece, no fim tudo dá certo, por mais difícil que se afigure...e com ela não foi diferente.
Obrigada por sua visita, meu amigo. Um abraço carinhoso!!!
Manu muito querida,
Foi de fato uma tarefa hercúlea dobrar aqueles alunos, acostumados a fazer balbúrdia em todas as aulas, a desobedecer aos pais e a desrespeitar os mestres. E foi pelo caminho do amor, da conquista, que nossa senhorinha conseguiu o seu intento. O lado emocional daqueles alunos estava em frangalhos após tantos anos de repetência e de agressões verbais, tanto da parte da diretora, quanto das professoras que seguiam a mesma linha de pensamento.
E tu, como sempre, vens me envolver com teu carinho e tuas palavras de estímulo. Que me dera tivesse eu uma Manu ao meu lado naquela época...
E não contei o pior que aconteceu...a diretora me avisou que os alunos já estavam muito "velhos", não iriam continuar os estudos e eu teria que "passar" todos eles, dar o Diploma do Curso Primário mesmo que não alcançassem as notas...terrível situação para uma professora iniciante. Infelizmente era o que acontecia naquela época.
Boa noite, minha querida, com muito carinho!
Oi Leninha, querida! Quantos desafios ao mesmo tempo, com certeza deixou bons frutos e lembranças.
Essa letra é maravilhosa mesmo...Em algum momento deixamos de olhar para essa gente toda e os reflexos estão explícitos em todo canto.
Bjs
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