Memórias de uma senhorinha
Voltando para casa
Enquanto o carro percorria a estrada, pneus rolando no saibro com o barulho característico, os pensamentos de nossa senhorinha ainda estavam estacionados naquela casa e nas impressões que a mesma lhe causara.
tempo (
é lógico que a nossa curiosa senhorinha a havia trazido) , quais os segredos se
esconderiam naquelas fotos e naquelas cartas.E sua fértil imaginação já passeava por outra era, outros sonhos e novas aventuras.
Porém a vida real a solicitava e vamos deixar que ela aterrisse na sua ,enquanto o carro estaciona na garagem e começam a retirar a bagagem do mesmo.Da garagem se entrava diretamente na casa e os amigos pediam que fizesse um café...era a realidade a chamar por ela da maneira mais prosaica possível. Os sonhos ficarão para outro dia...o domingo terminara e outra semana começaria, com suas alegrias, sobressaltos e correria.
A escola trouxera para ela uma riqueza imensa...alunos que a faziam pesquisar sobre novos assuntos e um novo sonho: voltar a estudar para prestar vestibular e realizar um antigo desejo, o de cursar a faculdade de Pedagogia. Muitos anos a separavam de seu Curso Normal e deveria se esforçar muito para conseguir o objetivo.Ademais , a faculdade era na vizinha cidade de Barbacena...próxima , porém , de difícil acesso já que ainda era uma estrada de "chão" que fazia a ligação entre as duas cidades. Quando chovia a dificuldade aumentava e muitas vezes ficavam "ilhados", sem a menor chance de locomoção.
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Em uma outra ocasião, nossa senhorinha retomará a narrativa e investigará o conteúdo da misteriosa caixa.Por enquanto o dever a chama e ela não costuma se furtar a ele. Ama as histórias antigas,perde-se nas transparências dos tules e das organzas e tenta adivinhar o que as cortinas esvoaçantes ocultam...em uma tarde de devaneios voltará à caixa e seu conteúdo.
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E a segunda feira chegou e ,com ela, a rotina de estudos e planos de aula, as tardes com os amigos que passavam para um dedo de prosa e acabavam servindo de cobaias para os seus mirabolantes planos de aula. Suas aulas eram como um programa de TV infantil, sempre trazendo novidades. A falta de material era compensada pela criatividade e pelo aproveitamento de materiais que sobravam e seriam jogados ao lixo...caixas de papelão, garrafas pet, embalagens de ovos e tantos outros que aparecessem.
Mas um fato novo aconteceu e veio transformar tudo isto.A irmã e o cunhado vieram visitá-la trazendo com eles um aluno a quem o cunhado dava aulas de Português. Era australiano e era cônsul no Consulado em Brasília...muito atento aos problemas brasileiros, principalmente os educacionais, manifestou o desejo de conhecer a escola e os seus alunos.Ficou chocado com o que viu...alunos em sua maioria calçados com velhas sandálias de borracha, roupinhas limpas porém muito surradas, sem uniforme e sem identidade. Eram crianças desprovidas de alegria e somente quando a nossa senhorinha os conduzia através do mundo da fantasia deixavam entrever um sorriso...
O amigo ( Neil era o seu nome),após a visita à escola, manifestou o desejo de ajudar já que seu consulado dispunha de uma verba exatamente para este fim. Pediu à nossa senhorinha que providenciasse uma lista completa de todo o material necessário para as suas aulas e também material de higiene para as crianças, uma eletrolinha e discos (LPs) para o ensino de ritmos (muito necessário para alunos especiais), um armário de aço para organizar o material e sapatos e uniformes para todos. Uma fada madrinha não teria feito melhor...
Nossa amiguinha não cabia em si de contentamento quando foi informar à sua querida Diretora o sopro divino que havia se manifestado em forma de um australiano brincalhão e gentil ...um anjo de bondade e generosidade.
Não devo me alongar mais. Vamos deixar a nossa senhorinha imaginando e dando rédeas à imaginação.
Eu voltarei...aguardem!!!
Leninha Brandão
11 comentários:
Ah, Leninha Brandão, senhorinha dos cachos negros que hoje estão da cor da neve, me encanta e me comove sua história de vida, dedicação e amor aos seus miúdos... e sua profissão tão pouco valorizada neste país.
Mas, creia, deixou um imenso legado àquelas crianças que com os seus ensinamentos visualizaram um novo mundo. Sinto orgulho por tudo que fez e ainda faz conduzindo com maestria seus profundos conhecimentos para quem a você vem recorrer. Bravo PROFESSORA, que este pais tanto precisa! Bjssss no seu coração!
Querida Leninha
E cá fico eu, duplamente em «suspense», para saber o que está dentro da caixa e como vão ficar os seus alunos.
Imagino que hoje, novembro de 2017( e não SEI HÁ QUANTOS ANOS SE APOSENTOU), essas pessoas, agora adultas, ainda não a esqueceram e jamais o farão.
Além de ter sido uma excelente mestra, continua uma óptima escritora.
Enquanto lia o texto, pude«ver» os seus alunos, tal como eram alguns dos meus colegas, nos primeiros anos dos meus estudos.Agora, já consigo olhar para a sua turma, de uniforme, como se de meninos de colégio privado se tratasse.
Afagos na sua alma.
Um beijinho
Beatriz
Ah, minha querida Marilda, como me fez feliz com este comentário...fez valer a pena as noites mal dormidas pensando em soluções para os problemas dos alunos...fez valer a pena o cansaço e as dores nas pernas que ainda hoje se manifestam...fez valer cada fio de cabelo branco (da cor da neve como você diz).
Obrigada pelo carinho.Um beijo carinhoso.
Beatriz muito amada
Obrigada por suas palavras e por sei imenso carinho que atravessaram o oceano e me trouxeram um aconchego à minha alma. Eu ainda os encontro, Beatriz, os meus alunos daquela época e já são pais de família (alguns já avós) e é grande a minha alegria por saber que a história deles tem um pouquinho de mim.E se você conseguiu enxergá-los, fico duas vezes mais feliz, amiga!
Gosto de sua maneira de se expressar e para mim é uma honra saber que apreciou os meus escritos tão despretensiosos.
Um abraço carinhoso, minha linda!
Minha doce Leninha,
É tão verdadeira a necessidade que o Homem tem de sonhar!
Passei quase de repente de um estado meio sonâmbulo provocado pela leveza do sonho da tua imaginação, para a realidade que, embora cheia de encantos pela forma também como a vestes, não deixa de mostrar o lado menos simpático da vida.
Mas apareces como que a contornar "sombras" , para nos avisar sempre que apesar de...tudo se resolve com boa vontade e amor. Lê-se a tua dedicação e carinho em cada gesto, em cada problema que nem o chega a ser porque estás onde és precisa. Daí o teu agradecimento ainda hoje, que não esqueceste, ao Neil. Mas quando o reconhecimento ainda floresce depois da sementeira, as tuas recordações devem transformar em saudades, acho.
Sabes, a tua escrita, o teu estilo reveste-se de uma espécie de ideal, que nos obriga a levitar!
Obrigada, minha querida!
O meu carinho num grande beijinho!
Realmente, minha doce amiga Manu, o que seria da vida sem a beleza do sonho...a realidade nem sempre nos mostra a sua face mais bela e acabamos sufocados se não nos refugiamos em nossos sonhos...mas vale a pena lutar pela concretização dos mesmos e a melhor parte é quando conseguimos tal intento. E sinto que o que me define é a minha perseverança ao lutar pelos meus objetivos.
E saudades existem sim, minha amiga, mas não a ponto de sufocar a vontade de viver o hoje com determinação e semeando sempre.
E quem deve agradecer sou eu, por tuas palavras tão carinhosas e repletas de tua costumeira generosidade.
Um afago neste teu gentil coração.
Leninha sua forma de nós contar nos prende de forma deliciosa, havia perdido teu caminho mas hoje encontrei obrigada amiga por estes momentos mágicos bjo
Oi Leninha! Para mim, pessoas assim que aparecem e fazem diferenças na vida de outros que precisam de uma forma ou de outra, são anjos no mais puro sentido. As crianças tiveram anjos!
Estou aqui na expectativa da caixa! rs
Abraço
A gente nasce assim mesmo:
Vive e revive o contar.
Mesmo as palavras a esmo
Deixam a Alma sonhar.
Beijo
SOL
Sempre adorável, ler suas memórias... tem um quê de encanto... e que bela ajuda, ganhou a nossa querida senhorinha e seus aluninhos, hein?
Já estou esperando por mais... beijos e boa semana, minha querida.
Valéria
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