Devaneios...insatisfações...povoavam a cabeça de nossa senhorinha...''todo o dia ela faz tudo sempre igual"...era o que ela sonhara para a sua vida???
E a resposta era um enorme NÃO, em sua cabeça e em seu coração...As expectativas eram dela...ninguém, além dela mesma, era culpado por suas decepções, nascidas de um sonho muito além daquela realidade. Mergulhava, então, na leitura e na música...fuga possível e inquestionável. Não, ela não deixava de cuidar da casa e dos filhos, mas seu coração habitava outro espaço e doía como os pés da Sereiazinha, após ganhar as suas pernas, as quais sempre desejara e agora se lhe afiguravam como um suplício. Ou os desejos realizados pelo Gênio de uma Lâmpada...cintilantes e sedutores à distância, porém ilusórios e enganadores vistos de perto. Ou ainda o Ouro de Tolo, eternizado na canção do querido Raul Seixas...
Você já deve ter ouvido a expressão "ouro-de-tolo". E o que é isso?
Ele é amarelo como o ouro. Tem um brilho metálico como o do ouro. Muitas vezes, é encontrado em minas onde há ouro. Mas não é ouro! É o ouro-de-tolo: um mineral conhecido como pirita! Presente em todo o mundo ‐ inclusive no Brasil ‐, ele já fez muita gente de boba, pensando que estava rica, quando, na verdade, continuava pobre, pobre...
A analogia serve bem para nos referirmos à conduta diante da vida, de grande contingente de pessoas. Elas se aferram aos valores do mundo como se fossem uma coisa preciosa, quando na verdade estão atrás de um ouro-de-tolo.
Mas nossa senhorinha se apegava aos seus livros buscando neles uma saída, um escape para aquela insatisfação que não chegava a ser uma infelicidade...e autores povoavam a sua vida, ecleticamente, de Sartre a Michel Quoist, de Jorge Amado a Exupéry, de Thomas Mann a Kafka e lia, lia muito, Pearl Buck, Jorge Luís Borges, Baudelaire, Dostoievski, Clarice Lispector, Machado de Assis, José de Alencar, Rachel de Queirós, Proust, Cervantes (como amava o Dom Quixote) e por aí afora, sua biblioteca aumentando e suas angústias também...
Nos finais de semana não mais a obrigatoriedade de ir para a casa do sogro, mas quando ia passava as manhãs na pracinha com os filhos, não sem antes passar pela igreja onde ensinava as orações a eles...Toninho e Cacá com ela aprenderam todas as orações, mas o menorzinho gostava de rezar "Meu Jesus, misericórdia"...a sogra a interpelava a este respeito: "O que esta criança sabe de misericórdia?'' Mas já disse uma vez e repito, era uma criança cuidando de duas outras...muito amadurecida na aparência, mas com o espírito e o coração de uma criança. A ausência dos pais a machucara. Profundamente...e ela procurava não deixar transparecer este sentimento de perda.
E o tempo correu, vertiginosamente...vamos encontrar nossa senhorinha, dez anos depois a bordar e se preparar para a chegada de um novo habitante...outro filho, para grande alegria de todos e dela também. Motivo de júbilo, como sempre deve e deveria ser a chegada de um bebê em uma enorme família (a do sogro) e numa pequena família como a sua. Novamente os exercícios e a preparação para mais um parto sem dor. O médico seria outro, um primo que havia se mudado para Muriaé e de quem ela gostava muito. Avisou a ele que faria o parto sem dor e este lhe afirmou, categoricamente, que isto não existia. Mas a nossa amiguinha era teimosa e se dispôs a se exercitar sem contar com a ajuda do médico...para isto retirou o seu querido livro da estante e reiniciou, com dedicação, os seus exercícios.Roupas foram lavadas, ao sol secavam e anunciavam a felicidade que se aproximava. As passadeiras se esmeravam, mister era deixar um cheirinho de bebê em todas as roupinhas. Os dois irmãos não cabiam em si de tanta alegria...uma nova etapa se iniciaria para aquelas vidas. Esperança de novos dias e de novas aventuras, com um irmãozinho a alegrá-los.
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Por hoje, amigos, é só. Na próxima semana voltarei.
Bjssssssss