Memórias
de uma Senhorinha
Amanhece cedo em Águas Vermelhas...e uma Senhorinha estremunhada, tonta de sono e cansada , da viagem, da faxina e das emoções, surge na cozinha onde todos já terminaram o café e se preparam para o trabalho.Como não poderia ser de outra forma, procede a uma limpeza geral do ambiente...não consegue tomar o café da manhã sobre uma mesa repleta de farelos. Após isto, arruma a mesa com todo esmero, pratinhos, pires e xícaras alinhados, pães , queijos e manteiga...e , para completar, uma jarra com flores fresquinhas que a fazendeira lhe dera.Estou me demorando nestes detalhes, talvez enfadonhos, para esclarecer como funcionava a cabeça da nossa senhorinha. Perfeccionista, preocupava-se com os detalhes, os mínimos detalhes.
Ao terminar o café, a estrada a chamou...o sol resplandecente, dourava o capim gordura, espalhava brilho em toda a estrada e coloria os seus olhos e o seu coração. Nenhum resquício do sofrimento teria lugar em seus pensamentos...caminhou até a estrada e seguiu em direção ao rio. Uma estranha fascinação a dominava e recordava a infância, sempre às margens de um rio e a história que a menina dos cachos ouvia dos tios e a perturbava e apavorava. Diziam-lhe que ela era filha da enchente e não dos pais, pois na noite do seu nascimento as águas do rio invadiram a sua casa e a mãe teve que ser carregada até uma canoa que a conduziu até a casa de sua comadre , onde deu à luz a menina de negros cabelos que mais tarde se transformariam em cachos. E era esta impressão, adquirida na mais tenra idade, que a " brindava" com um medo quase que irracional de rios e de águas de piscina ou do mar.
Certa vez, foi levada pelos pais a uma competição de natação em um clube da cidade, onde os nadadores saltariam de um trampolim... péssima ideia! Nossa "menina dos cachos" se apavorou tanto que gritava a plenos pulmões a cada atleta que saltava:
" Não pula, moço, você vai morrer!!!"
Tiveram que deixar o local, aborrecidos e envergonhados , sem entender o porquê daquela reação.
Hoje, analisando friamente a reação daquela menina de cinco anos de idade, creio que posso atribuí-la a um trauma que foi criado quando os tios, inocentemente, brincavam com ela sobre o seu nascimento.
Mas deixemos de lado as considerações psicológicas e voltemos à caminhada da nossa Senhorinha.
Caminhar, para ela sempre foi muito importante...assim como a leitura, alimentava o seu espírito. E assim, com o espírito alimentado, atingiu a margem do rio, à beira de uma árvore se sentou e deixou o pensamento livre e o corpo relaxado, admirando a beleza daquela inebriante paisagem...uma balsa chamou a sua atenção e prometeu a si mesma que um dia atravessaria o rio utilizando este meio de transporte.